Discurso

Política externa e diplomacia britânica: discurso do Ministro das Relações Exteriores, 12 de dezembro de 2022

O Ministro das Relações Exteriores, James Cleverly, fez um discurso no Foreign Commonwealth and Development Office expondo sua visão para a política externa do Reino Unido.

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Bom dia,

Vivemos em paz, somos prósperos e moramos em uma ilha - então por que nos preocupamos em fazer política externa?

Por que eu visitei o Quênia e a Etiópia na semana passada, a Polônia e a Romênia na semana anterior? Por que os ministros deste departamento viajam ao redor do mundo, por que temos funcionários em todo o globo?  

Bem, vamos voltar aos primórdios e nos lembrar do que estamos tentando alcançar coletivamente.  

Por boa parte da história, o mundo foi dominado pela máxima brutal de que os “fortes fazem o que podem e os fracos sofrem o que devem”.  

O poder estava sempre certo, o poder era tudo que importava e as nações, ao longo dos séculos, pareciam terrivelmente fadadas a fazer valer o alerta de Shakespeare:

O poder, em vontade e apetite; E o apetite – lobo universal -, Com base no poder e na vontade, Terá, com a força, o mundo como presa, E acaba se comendo.

Como Ministro das Relações Exteriores de uma antiga potência imperial, sei que no passado nós sucumbimos à tentação da vontade e do apetite.  

E nenhum de nós pode se esquecer de como, no século 20, os violentos tiranos fizeram do mundo sua presa, causando duas guerras mundiais, que deixaram mais de 100 milhões de pessoas mortas.  

E depois, nossos antecessores perceberam que a humanidade não sobreviveria a outra catástrofe dessa escala.  

Então, uma geração de líderes visionários construiu uma assembleia de regras e instituições internacionais, destinadas a fazer da lei - e não apenas do poder - o árbitro das relações entre os Estados. 

A Grã-Bretanha deu as mãos aos Estados Unidos da América, à França e a cerca de 50 nações para criar as Nações Unidas.  

E a Assembléia Geral da ONU adotou uma Declaração Universal dos Direitos Humanos sem um único voto contrário, proclamando - e cito - “o direito inalienável de todos os membros da família humana”.  

Na mesma época, 23 nações fundaram o que viria a se tornar a Organização Mundial do Comércio e o Banco Mundial começou a financiar a reconstrução e recuperação ao redor do mundo inteiro.  

Para todas as tragédias e derramamento de sangue das últimas oito décadas, a grande verdade é que, pelos padrões históricos, esse sistema tem funcionado.  

Entre 1946 e 2020, o número de mortes em conflitos de estado como parte da população mundial diminuiu em 95%.

E somente uma vez, desde a formação da ONU, um país membro foi varrido do mapa, e todo o seu território nacional anexado por outro.

Esse ato de agressão do Iraque contra o Kuwait em 1990 foi rapidamente revertido.

O volume do comércio mundial multiplicou-se 40 vezes desde 1950, gerando inúmeros empregos e meios de subsistência em todos os cantos do mundo. 

E nas últimas décadas, o crescimento econômico mais rápido tem se concentrado nos países em desenvolvimento.  

Quando eu nasci, em 1969, cerca de metade de toda a humanidade vivia em situação pobreza absoluta. 

Hoje, esse número está abaixo de 10%, o que é ainda mais surpreendente quando consideramos que a população mundial dobrou nesse mesmo tempo. 

E reflitam sobre a magnitude do simples fato de que a mortalidade infantil mundial foi reduzida pela metade nas últimas três décadas.  

Essa é uma forma de dizer que milhões de crianças foram poupadas do que seria uma morte angustiante.  

Porém, nada disso seria possível sem as instituições do mundo pós-guerra, que vêm protegendo bilhões com campanhas globais de vacinação, investindo em desenvolvimento e infraestrutura, garantindo a liberdade dos mares e mantendo as rotas de navegação abertas.

A ordem internacional tem permitido que mais dos nossos semelhantes vivam em paz, em prosperidade, de modo nunca visto antes.

  E esta é a principal razão pela qual a política externa britânica se esforça para renovar seus princípios fundadores e suas instituições.  

Devemos nos lembrar de que não estamos defendendo um sistema que só beneficia a nós, mantendo os outros abaixo.

Pelo contrário, da mesma forma que nós prosperamos, outros países têm feito o mesmo ao nosso lado – muitas vezes, mais rápido do que nós.

Não acreditamos que tudo esteja perfeito; e não estamos impedindo a mudança.  

Na verdade, o Reino Unido quer ver o Brasil, a Índia, o Japão e a Alemanha como membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, juntamente com uma representação africana permanente.

Nosso objetivo é apoiar um feito partilhado histórico que beneficie a todos.

E eu sinceramente estremeço ao pensar no que poderia acontecer se, por negligência, ou complacência, ou timidez, virássemos as costas e permitíssemos que aquilo pelo qual trabalhamos fosse destruído.

Considere por um momento o mundo alternativo que Vladimir Putin deseja.  

A razão pela qual sua investida contra a Ucrânia ofende cada fibra do meu ser não é simplesmente porque é moralmente abominável, embora isso já esteja claro.  

E não tem nada a ver com o acidente geográfico no qual Putin está travando uma guerra na Europa.  

Não, o que realmente causa arrepios é que ele está preparado para destruir as leis que protegem todas as nações e, consequentemente, todas as pessoas ao redor do mundo.  

O objetivo de Putin é voltar no tempo, para a época em que o poder era sempre o certo e países grandes podiam tratar seus vizinhos como presas.

Ele está travando uma guerra de conquista imperial do século 19, desprezando deliberadamente a conduta internacional, ignorando totalmente os valores de hoje.  

E ao atacar um dos maiores produtores mundiais de alimentos e fertilizantes, ele está elevando os preços globais e impondo dificuldades ainda maiores a algumas das pessoas mais pobres do mundo.  

Por isso o Primeiro Ministro Modi disse a Putin, bem na sua cara, e eu cito: “Eu sei que a era de hoje não é a era da guerra”.

O único caminho para a paz na Europa é Putin encerrar sua guerra e remover suas tropas.

Enquanto nos posicionamos contra a invasão russa, o Reino Unido desfruta imensamente de amizades sólidas com países como Estados Unidos da América, França, Alemanha, Canadá, Austrália, entre inúmeros outros.  

Na sexta-feira passada, anunciamos como desenvolveremos a próxima geração de aviões militares de combate de mãos dadas com a Itália e o Japão.

Estas relações vitais, construídas ao longo de gerações, cravadas em instituições como a OTAN e o G7, constituem nossa maior fonte de força, sendo o alicerce da democracia e da diplomacia britânica.

Hoje não temos prioridade maior do que apoiar nossos amigos ucranianos até que eles triunfem, como inevitavelmente o farão.

Mas isso não será suficiente para assegurar a ordem internacional, a menos que esses princípios e instituições obtenham o apoio do mundo todo, além da Europa e da América do Norte.

Estamos vivendo um momento histórico em que o ritmo de mudança acelera-se com a força de um furacão.  

Até recentemente, em 2001, 80% dos países realizavam mais comércio com os EUA do que com a China.  

No entanto, em 2018 houve uma reviravolta: hoje, quase 70% das nações comercializam mais com a China do que com os EUA.

E nas próximas décadas, uma parcela cada vez maior da economia mundial - e, portanto, do poder mundial - estará nas mãos de países da Ásia, da África e da América Latina.

Juntos, eles decidirão se a ordem internacional irá permanecer. Essa realidade já é evidente há algum tempo, mas não estou confiante de que a diplomacia britânica tenha se atualizado completamente.

Meu objetivo é ampliar o trabalho de meus antecessores e garantir que possamos alcançar essas mudanças - e sob minhas ordens, essa tarefa já começou.

Nossos diplomatas não são especialistas da ala dos comentaristas, dando seus palpites e análises: eles são jogadores em campo.

O objetivo da política externa não é tecer comentários, mas fazer a diferença. A Grã-Bretanha tem influência, a Grã-Bretanha tem força e o meu trabalho é saber usá-la.

Portanto, farei um esforço longo e contínuo para restabelecer velhas amizades e construir novas, indo muito além de nossas alianças de longa data.  

Meu ponto de partida é que não vemos essa mudança na balança de poder com qualquer sentimento de perda ou arrependimento.

A razão pela qual o centro gravitacional geopolítico do mundo está se deslocando ao sul e ao leste é justamente porque centenas de milhões de pessoas escaparam da pobreza.

E esse - esse é o mais maravilhoso empreendimento da minha vida.   E é uma reivindicação da ordem mundial, uma reivindicação do livre comércio, do desenvolvimento internacional, da inovação e do avanço científico, aliás, de tudo aquilo pelo qual a Grã-Bretanha tem se dedicado por gerações.

Agora, temos que reconhecer que a influência futura do Reino Unido dependerá de convencer e conquistar um escopo muito mais amplo de países, países da Comunidade das Nações, da União Africana, da ASEAN e de todos os outros lugares.

Muitos são velhos amigos; outros conhecemos um pouco menos. Eles frequentemente se descrevem como “não-alinhados” e têm receio de se comprometerem com qualquer posicionamento apenas porque outros países assim desejam, e essa é exatamente a maneira como deveria ser.

Nosso trabalho é expor nossa causa e ganhar seu apoio, investindo em relações baseadas em uma diplomacia paciente, no respeito, na solidariedade e na vontade de ouvir.

Porque não se trata de ditar ou dizer aos outros o que eles devem fazer: queremos uma relação equilibrada e mutuamente benéfica, baseada em interesses compartilhados e em princípios comuns.

E isso significa aprender com nossos concorrentes e pensar sempre 10, 15, 20 ou mais anos à frente.

Porque, no passado, acredito que talvez tenhamos sido um tanto transacionais e bastante impacientes. Agora devemos ter uma perseverança estratégica, uma vontade de nos comprometermos com as relações por décadas futuras.

Agora, uma confissão. Apesar dos meus melhores esforços, estou disposto a admitir que dificilmente serei Ministro das Relações Exteriores dentro de 25 anos, o que é uma pena, porque é um trabalho que eu amo.

Mas quero ter certeza de que nossa diplomacia está focada nesse horizonte histórico. Porque os interesses que estamos protegendo e os valores que estamos promovendo sobreviverão a todo e qualquer ciclo político aqui no Reino Unido.

E precisamos reconhecer que, a princípio, este trabalho vai parecer como água sobre pedra: sem resultados rápidos, sem ganhos inesperados, talvez até sem marcas visíveis por um curto período de tempo, e vai ser tentador questionar esse esforço.

Mas nós estaríamos condenando nossa comodidade se não tentássemos, porque estas relações serão essenciais para nosso futuro de sucesso compartilhado.

E a realidade é que se não formos bons amigos, você pode apostar que outros tentarão preencher esse vazio, e aproveitar qualquer oportunidade de que possamos estar enganados o bastante para lhes entregar. A verdade é que cada país é diferente e qualquer generalização convida uma abundância de exemplos negativos, mas existem alguns pontos em comum.

O foco principal desses poderes do futuro a que me refiro é assegurar seu próprio desenvolvimento econômico e sua própria resistência contra ameaças, como mudanças climáticas, doenças e terrorismo.

Muitos desses países têm tido rápido sucesso e, acima de tudo, querem que esse sucesso continue.

Suas populações são tipicamente muito mais jovens que as nossas: a idade média aqui no Reino Unido é superior a 40 anos, enquanto no Brasil é de 33, na Indonésia é de 30, e na Índia é de apenas 28 anos.

Acima de tudo, eles precisam gerar crescimento, criar empregos e satisfazer as aspirações de sua juventude.

E isso significa atrair investimentos, significa aproveitar plenamente os benefícios de seus próprios recursos naturais e significa aproveitar o poder das novas tecnologias.

Significa descarbonizar suas economias de uma forma que distribua os ganhos e minimize as perdas, alcançando assim uma “Transição Energética Justa”.

Em todos esses e muitos outros campos, temos a oportunidade de mostrar que o Reino Unido pode ser - e será - um parceiro seguro, digno de confiança e de uma parceria a longo prazo.

E estou determinado a fazer um investimento de fé nos países que irão moldar o futuro do mundo.   Portanto, vamos continuar desenvolvendo ofertas claras, convincentes e consistentes, que estejam alinhadas às necessidades desses países e aos nossos pontos fortes, que incluem comércio, desenvolvimento, defesa, segurança cibernética, tecnologia, mudanças climáticas e proteção ambiental.

Porque sabemos que nas próximas décadas haverá choques econômicos, e as mudanças climáticas terão seus efeitos desastrosos, então os países vão querer tecnologia, financiamento e acesso aos mercados para garantir seu desenvolvimento.

É por isso que, no último ano, o Reino Unido ofereceu garantias para conceder quase £5 bilhões de libras em financiamento multilateral extra para países em desenvolvimento, e apoiamos as ambições da Agenda de Bridgetown para reformar o sistema financeiro e desbloquear mais recursos.

E vamos fornecer uma fonte confiável de investimento em infraestrutura através das Parcerias de Investimento Britânicas, do Financiamento de Exportações do Reino Unido e da Parceria G7 para Infraestrutura Global.

Recebemos a mensagem e sabemos que os recursos precisam fluir mais rapidamente destas iniciativas para projetos reais em campo. E faremos pleno uso dos poderes que recuperamos ao deixar a União Europeia, incluindo a possibilidade de assinar acordos de livre comércio, além de Acordos de Reconhecimento Mútuo, feitos para incentivar inovação e reduzir custos comerciais.

O Reino Unido tem ampla capacidade de apoiar economias emergentes com populações jovens a alcançarem seus objetivos.

E independentemente de nossas diferenças, há princípios fundamentais, aos quais acredito que cada nação pode se unir.

Todos dizemos, na Carta da ONU, que acreditamos na soberania e na integridade territorial, o que significa que todos os países têm o direito de decidir seu próprio futuro e de estabelecer seu próprio caminho, sem serem invadidos ou desintegrados.

É por isso que 143 nações - três quartos de todos os membros da ONU - votaram na Assembleia Geral para condenar a anexação do território ucraniano por Putin.

E é por isso que alianças de defesa como a OTAN são tão importantes - porque ajudam os países a se protegerem de agressores.

Quando Estados poderosos, como a China, rejeitam alianças de defesa como “política de bloco”, ou não entendem o desejo de cada nação de viver em paz, sem medo de sofrer ataques; ou talvez forneçam um sinal de intenção, que é especialmente assustador vindo de um país que se militarizou em um ritmo raramente visto pelo mundo.

Da nossa parte, a Grã-Bretanha irá demonstrar nosso compromisso de longo prazo com o Indo Pacífico, aderindo o mais rápido possível ao acordo de livre comércio Trans-Pacífico.

Vamos aprofundar nossa cooperação com a Índia, a nova presidência do G20, e concluir nosso acordo comercial com eles.

Vamos apoiar a Indonésia e a África do Sul em seus planos de uma Transição Energética Justa , mostrando como os investimentos necessários podem ser mobilizados em escala; e na semana passada, a União Europeia e o Reino Unido chegaram a um acordo ambicioso para fazer o mesmo com o Vietnã.

Contudo, todas as nossas chances dependem de uma ordem internacional estável e pacífica. Minha geração nasceu muito depois da Segunda Guerra Mundial e atingimos a idade adulta exatamente quando a Guerra Fria chegava ao fim.

Estamos nos ombros de líderes sábios e solidários, que criaram leis e instituições que evitaram um retrocesso universal à velha ordem, onde os fortes perseguem os fracos.

Agora, o Reino Unido deve trabalhar com nossos aliados internacionais e com nossos novos parceiros para preservar o melhor desta conquista, que busca proteger cada país e estabelecer um cenário onde todos possam prosperar.

É por isso que nossos diplomatas e nossos especialistas em desenvolvimento se esforçam; é por isso que eu viajo para um lugar diferente quase todas as semanas, é por isso que os ministros deste departamento fazem o mesmo. É por isso que me esforço para construir as parcerias do futuro, para que nosso país possa florescer ao lado de nossos amigos, tanto os velhos quanto os novos.  

Obrigado.

Publicado a 12 December 2022