Reportagem do mundo

Alta Comissária britânica fala a estudantes sobre saída do Reino Unido da União Europeia

Alta Comissária Joanna Kuenssberg fala da saída do Reino Unido da União Europeia e possíveis implicações nas relações bilaterais com Moçambique. Veja a sua apresentação na íntegra.

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Foto de familia no Instituto Superior de Relações Internacionais, Moçambique

Agradeço ao Instituto Superior de Relações Internacionais pelo convite para esta conversa em torno da saída do Reino Unido da União Europeia. É um tema muito actual e de interesse pessoal particular para mim pois passei mais de metade da minha carreira de servidora pública trabalhando nos assuntos europeus.

Diria também que represento uma parte da história da Europa do século 21 por conta dos meus laços familiares com outros países. Vou assim começar falando do Reino Unido, o meu país, como um actor de relevo na Europa e no mundo e como parceiro de longa data de Moçambique.

O Reino Unido é um país em pleno e contínuo progresso. Pretendemos assim continuar enquanto construímos um novo futuro, com um foco internacional e pronto para abraçar as oportunidades decorrentes da nossa saída da União Europeia.

A voz do Reino Unido é proeminente na esfera global por via da sua posição como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas; membro da NATO, do G7, G20 e da Commonwealth, em que Moçambique é também membro desde 1995. Somos o único país do G7 que cumpriu a meta de canalizar 0.7% do PIB para o desenvolvimento internacional. E este compromisso é de lei no Reino Unido.

Em paralelo, temos o compromisso de disponibilizar 2% do rendimento interno para a defesa e segurança. Estes cometimentos, entre outros, guiam a resposta do Reino Unido contra os desafios internacionais que requerem uma resposta também de nível internacional. São exemplos o terrorismo (muito presente para nós depois dos ataques de Manchester), mudanças climáticas, corrupção e contrabando, doenças infecciosas, a pobreza extrema, entre outras inseridas no âmbito dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.

O meu país é actualmente a quinta maior economia mundial.A nossa reputação como destino de negócios, a reputação de Londres como centro financeiro global e de excelência em matéria de criatividade e inovação mostram o quanto o Reino Unido é um mercado de referência, um ambiente propício para investimentos e para as pessoas que visitam o nosso país.

O Reino Unido acolhe quatro das 10 maiores Universidades do mundo [ou 18 das 100 maiores do mundo]. Estas instituições atraem a cada ano estudantes estrangeiros a quem proporcionam uma educação de classe mundial e grandes perspectivas de carreira. Um em cada sete líderes mundiais estudou em Universidades britânicas. As instituições de pesquisa, os museus de renome internacional, também contribuem para a paisagem cultural e científica. Não fica de fora o British Council que cobrindo mais de 500 milhões de pessoas em 115 países, promove, essencialmente através da língua inglesa, o conhecimento e entendimento entre o Reino Unido e o mundo.

Estas referências são indicativas da posição de força com que o Reino Unido abraça esta nova era.

Voltando à nossa saída da União Europeia, a razão porque estou aqui hoje. No dia 23 de Junho de 2016, o povo britânico votou democraticamente para sair da União Europeia, num processo longo de avaliação e preparação. A Primeira Ministra britânica Theresa May escreveu ao Presidente do Conselho Europeu, em 29 de Março último, iniciando o processo formal de saída através do “Artigo 50” do Tratado de Lisboa.

Ora bem, o que procuramos com esta saída?

Na essência, um acordo de parceria especial e profundo que garanta um Reino Unido forte e uma União Europeia forte.

Estamos a sair da União Europeia, não do continente Europeu, nem rejeitamos os valores que partilhamos com outros cidadãos europeus. Continuaremos a ser um parceiro empenhado e garantir que a Europa é capaz de se projectar e se proteger.

A nossa Primeira Ministra referiu-se ao Brexit como “um momento histórico impossível de reverter” que o pretendemos “suave e organizado”. Vamos nestes termos tomar as nossas próprias decisões, fazer a nossas próprias leis, e construir um país mais justo e verdadeiramente global.

Também nos interessa uma Europa forte, com quem iremos colaborar de forma construtiva para fazermos desta parceria uma realidade.

O caminho para este objectivo é um plano claro e ambicioso de negociações, a iniciarem em Junho, visando uma parceria baseada em valores, interesses comuns e cooperação nos sectores da segurança e assuntos económicos e seus sub-sectores.

Negociaremos: os direitos dos cidadãos do Reino Unido nos países membros da EU e vice-versa; um acordo de comércio livre ousado e ambicioso; parcerias em áreas como a ciência, educação, investigação e tecnologia; a mobilidade de pessoas entre fronteiras; a cooperação em áreas tais como a criminalidade, a justiça e negócios estrangeiros.

No Reino Unido, criámos o Departamento para a saída da União Europeia que vai guiar as negociações até a separação formal. Até lá, não haverá alterações: o Reino Unido continua membro de pleno direito exercendo os seus direitos e cumprindo as suas obrigações. A coordenação e subordinação institucional permanecem inalteradas, assim como o fluxo de pessoas, bens e serviços continua como no presente.

E depois da bossa saída da União Europeia, o Reino unido continuará independente, livre e soberano nas relações com a Europa e o mundo.

Uma parceria melhorada com a Africa

Na véspera do Dia da Africa, é crucial referir o seguinte. A Africa é nosso parceiro de longa data e procuramos aprofundar mais essa ligação. As relações a vários níveis são demonstradas pelo nosso engajamento comum a nível diplomático, comercial, na promoção do desenvolvimento e prosperidade, e defesa e segurança, para mencionar alguns.

Com uma população jovem - cerca de 70% com menos de 25 anos, um potencial de crescimento demográfico e uma perspectiva de crescimento económico avaliado em USD30 trilhões em 2050, há desafios como há oportunidades. Mas escolhemos trilhar pelo caminho positivo para juntos respondermos aos desafios da migração, segurança e desenvolvimento.

Temos como ponto de partida ligações históricas importantes: uma população africana residente no Reino Unido estimada em 1,5 milhões de pessoas (ONS:2015), a nossa união na Commonwealth; a coordenação em missões de paz; as frentes de cooperação económica e comercial; a expansão do British Council, aspectos que mostram como o Reino Unido importa para a Africa e a Africa para o Reino Unido e a parceria é o caminho, para usar as palavras do Ministro Tobias Ellwood.

A recém-terminada Conferência sobre a Somália, co-organizada pelo Reino Unido mostrou como o país pode ajudar a África. O nosso esforço árduo com parceiros conseguiu um acordo para acelerar a reconciliação e a recuperação económica e o apoio humanitário.

Empenho similar no terreno tem a ver com a expansão das operações britânicas de manutenção da paz como foi o mais recente contingente militar para o Sudão do Sul que deverá totalizar 400 homens nos próximos meses.

Nas zonas de instabilidade militar e não só, estamos a implementar com apoio das autoridades locais a campanha global de Prevenção da Violência Sexual em Conflitos, visando acabar com a cultura de impunidade e assegurar que os que cometem tais crimes sejam levados à justiça. Não está distante deste crime a escravatura moderna, que afecta homens, mulheres e crianças em todo o mundo. O Reino Unido advogou pelo fim do problema e até aprovou uma legislação específica em 2015 centrada na elevação de consciência, identificação e protecção das vítimas e responsabilização dos criminosos.

Nossa colaboração em acções coordenadas no continente inclui ainda a resposta a ameaças regionais como o Virus Ébola.Na qualidade de segundo maior contribuinte global para a área da saúde, o empenho do Reino Unido será novamente demonstrado na Cimeira sobre Planeamento Familiar em Julho deste ano, em Londres, com a participação moçambicana, na qual a saúde materna e infantil será um dos temas centrais.

Outras áreas dignas de menção incluem a nossa resposta recente ao fenómeno climático El Nino na região da Africa Austral. Igualmente relevante para Moçambique é o estímulo recente à desminagem graças à decisão do Reino Unido de triplicar para 100 milhões de Libras esterlinas o financiamento ao programa de desminagem internacional.

No assunto da regulação extractiva, o Reino Unido conseguiu uma contribuição inovadora. No sector extractivo, ficamos um país fundador do processo de Kimberley - para maior transparência na transacção de diamantes selvagens e da Iniciativa de Transparência das Industrias Extractivas (EITI). Promovemos o cumprimento pelas empresas, governos e ONGs dos Princípios Voluntários em matéria de respeito dos direitos humanos, bem como os Princípios Ruggie.

A nível da Commonwealth, organização chefiada por Sua Majestade a Rainha Elizabeth II, os encontros dos Ministros do Comércio da Commonwealth e a dos Ministros da Saúde foram impulsos para uma maior colaboração no tocante a facilitação comercial e na resposta aos desafios na área da saúde, respectivamente.

Neste contexto, líderes e decisores africanos discutem amanhã, nas Ilhas Maurícias as prioridades para reavivar o comércio mundial e suas capacidades a este nível. Mais ímpeto virá da Cúpula da Commonwealth em Londres, em 2018, que vai juntar Chefes de Estado e de Governos dos 52 países-membros, representando os mais de 2,2 biliões de cidadãos da comunidade. Tomamos estes dados como exemplos de parcerias mútuas para mais e melhor.

Reino Unido e Moçambique juntos construindo a prosperidade

Muitas vezes fui questionada sobre as possíveis implicações do Brexit nas nossas relações bilaterais. Escusado será dizer que nossos países mantêm relações sólidas desde longa data.

No campo bilateral, o meu país contribuiu para a segurança do Estado próprio de Moçambique. Tenho grande orgulho em recordar a formação das Forças Armadas no Zimbabwe por oficiais britânicos, a participação do Reino Unido na ONUMOZ e, mais recentemente, na EMOCHM nos esforços de alcançar uma paz sustentável. O intensivo trabalho de desminagem, inclusive pela britânica Hallo Trust, financiado pelo governo britânico, conduziu a que Moçambique fosse declarado livre de minas anti-pessoais em 2015.

Ainda no plano se segurança, eu fui indicada, na qualidade de Alta Comissária, para o Grupo de Contacto do novo mecanismo de diálogo. Deste modo, o Reino Unido vai continuar a apoiar um futuro de paz para Moçambique.

Além disso, a ajuda oficial ao desenvolvimento a Moçambique, que ronda nas cerca de 150 milhões de libras esterlinas por ano. O Reino Unido é um grande doador dos fundos multilaterais, como o Fundo Global Contra a Tuberculose, Malária e HIV/Sida, o “Girls Education Challenge Fund”, e o Fundo de apoio à Resiliência contra as Mudanças Climáticas.

A nível bilateral, os nossos dois grandes pilares são o apoio à provisão de serviços básicos e preparação para um futuro de prosperidade. Neste âmbito, são de menção o aumento sustentado dos serviços de Água, Saneamento e Higiene para as populações das zonas rurais; e ajuda humanitária às secas severas e carência alimentar resultantes do fenómeno El Nino, à qual alocámos £38 milhões em 2016/2017; a área do género, empoderamento económico da mulher e luta contra os casamentos prematuros; o combate a exclusão financeira e a criação de habilidades técnico-profissionais.

No que toca a caça furtiva, o Reino Unido está a apoiar Moçambique cada vez mais. Queremos que a nossa ajuda, com esforços do Governo e de outros parceiros, resulte a aplicação de soluções de sustentabilidade para as comunidades afectadas pela caça ilegal e reforçar os mecanismos de prevenção e controlo.

Na educação, vale referir os estudantes e profissionais moçambicanos que anualmente fazem estudos superiores no Reino Unido no âmbito das bolsas Chevening e da Commonwealth, fornecidas pelo Governo britânico. No ano passado, por exemplo, sete estudantes receberam bolsas Chevening, mais do que nunca. Não só o número é importante, também as disciplinas escolhidas o são para o desenvolvimento do país, de mencionar como a engenharia das águas, a segurança alimentar, a economia dos hidrocarbonetos, a medicina tropical. Há muitas histórias de sucesso como a da moçambicana Ana Namburete, que terminado o seu Doutoramento com bolsa da Commonwealth, é agora pesquisadora em Oxford. O próximo ciclo de candidaturas para as bolsas Chevening vai abrir em Agosto próximo.

A nossa relação comercial é crucial para nós. Com mais de 90 empresas no Clube de Empresários Britânicos em Moçambique, um investimento superior a USD340 milhões e mais de 15 mil empregos criados, estamos empenhados num cada vez maior intercâmbio comercial entre os mercados britânico e moçambicano. E, de novo, estaremos na FACIM este ano para promover essas ligações. Alíás, o Reino Unido preside neste momento o Grupo de Trabalho do Sector Privado, cujo objectivo é encorajar reformas para melhoria do ambiente de negócios em Moçambique.

Os hidrocarbonetos jogarão sempre um papel importantíssimo para o crescimento económico de Moçambique assim como no desenvolvimento social e humano. Partilhamos ainda ao mais alto nível os nossos conhecimentos como centro de excelência mundial com a vossa emergente indústria do Petróleo e Gás em Moçambique. Através de laços comerciais crescentes e renovados pelo nosso novo Departamento de Comércio Internacional, o Reino Unido e Moçambique têm espaço para juntos inovarmos e prosperarmos.

Um dos resultados imediatos da nossa saída da União Europeia é que escolhemos construir uma nação livre de seguir a trajectória que melhor sirva as nossas preocupações.

Escolhemos lidar com o mundo respeitando os direitos humanos, a liberdade de expressão e pensamento, a liberdade económica, a igualdade de género, entre outros. Escolhemos trilhar um caminho seguro e próspero. Neste percurso, acreditamos que uma parceria especial e profunda com a União Europeia será boa para ambas partes.

É com base nestes valores que o Reino Unido, ainda dentro e depois fora do espaço da União, olha para o mundo e para os seus parceiros, rumo a um futuro melhor para esta e futuras gerações.

Como Alta Comissária britânica em Moçambique, tenho a honra de continuar a trabalhar para assegurar que as ligações bilaterais entre o Reino Unido e Moçambique, entre as pessoas e os governos, as instituições, as empresas, já de si fortes, se aprofundem no futuro.

Muito Obrigada!

Publicado a 26 May 2017